'Arquivo transformista': acervo preserva memória e reúne registros inéditos de artistas trans e travestis de SP

  • 09/11/2025
(Foto: Reprodução)
Gretta Star se apresentando na boate Blue Space, em São Paulo. Arquivo Transformista Quem tem acesso à memória? Quem tem direito a contar a história? Quem sobrevive para contar a história? Essas são algumas das perguntas que guiaram a criação do "Arquivo Transformista", um acervo digital público que reúne registros inéditos de artistas trans e travestis da cena paulistana. Concebido pelo Acervo Bajubá, um projeto comunitário de registro de memórias das comunidades LGBT+ brasileiras, o Arquivo Transformista é formado por 250 fotos de cinco artistas com mais de 50 anos: Aloma Divina, Kelly Cunha, Gretta Starr, Marcinha do Corintho e Victoria Principal. As fotografias selecionadas são, em especial, das décadas de 70 e 80 — durante a ditadura militar — quando a comunidade LGBT+ era alvo de perseguição, violência, censura e apagamento por parte do Estado. Confira o projeto e todas as fotos em: https://arquivotransformista.com.br. Ser trans e envelhecer: realidade invisibilizada O acervo reúne vários registros de apresentações em casas noturnas históricas de São Paulo, como o Medieval, a Boate Corintho, a Nostro Mondo e a Freedom — que não estão mais em atividade. O projeto também apresenta fotos das artistas em eventos como as Paradas do Orgulho LGBT+, o carnaval e concursos de beleza, além de experiências de trabalho no exterior e da vida fora dos palcos. É um processo que vejo muito como reparatório, mas também inclusivo, de incluir a narrativa e a participação dessas mulheres num processo histórico do país. Reconhecê-las, porque elas têm visibilidade. Eu sinto que também tenho visibilidade, porque a gente nunca chega num lugar sozinha, muitas portas são abertas para a gente ao longo do caminho. ‘Não tínhamos uma representatividade de memória travesti’ Para a pesquisadora e coordenadora do projeto, Angel Natan, o Arquivo Transformista preenche uma lacuna deixada pela ausência de registros institucionais sobre a história trans e travesti no país. “A gente não tinha uma representatividade de uma memória travesti”, afirma. “A memória é uma coisa volátil, que está nessa constante disputa.” Concurso Miss Primavera na boate Nostro Mondo, na década de 1990. Arquivo Transformista Segundo Natan, gays e lésbicas conquistaram uma maior aceitação social e acesso à institucionalização de suas histórias em comparação com as travestis e trans. Ela define esse processo como “violência arquivística”. “A minha avaliação enquanto pesquisadora travesti é que os outros grupos têm uma participação e um processo de aceitação social muito mais forte [...] Quando vamos em arquivos e acervos públicos, os recortes que encontramos são sempre recortes de violência. Pensar na ausência de um repositório que fale sobre dissidência de gênero é pensar na história do nosso país", explica. A falta de memória registrada, segundo a pesquisadora, também está ligada à estigmatização da comunidade trans — geralmente associada à violência ou ao trabalho sexual. O Arquivo Transformista tem como papel romper com esses estereótipos e mostrar a participação delas na formação cultural e artística, nos movimentos históricos e na luta por direitos. Para Natan, o acervo reconhece essas trajetórias e reforça seu valor histórico: “É a memória em um arquivo vivo, e o arquivo vivo são essas mulheres, essas artistas que estão vivas”. A criação do arquivo também é um ato de reconhecimento coletivo e de registro do legado dessas artistas para as gerações mais novas se inspirarem: "Sem reconhecer o passado, não existe futuro”. LEIA TAMBÉM: Orgulho invisível: idosos LGBT+ enfrentam solidão, falta de políticas públicas e volta ao armário Casal leva primeiro bebê com DNA dos dois pais do Sul do Brasil para a Parada LGBT: 'Antonella é símbolo de luta' Beijos de resistência: Primeiro casal gay a se casar oficialmente e outros pares LGBT+ idosos celebram amor na Avenida Paulista; veja fotos Marcinha do Corintho se apresentando na Blue Space. Arquivo Transformista Gretta Star e a história que resiste Pioneira, carismática e sem medo de abrir caminhos. Entre as artistas retratadas no Arquivo Transformista está Gretta Salgado Silveira, de 70 anos, conhecida artisticamente como Gretta Starr, figura histórica da cena transformista paulistana — ativa até hoje. Ao g1, Gretta reforça que, por muitos anos, travestis e mulheres trans estiveram posicionadas na linha de frente, abrindo caminho para que gays e lésbicas conquistassem direitos antes delas — como ocorreu na Rebelião de Stonewall, nos Estados Unidos, na década de 1960. “Os gays conseguiram muita coisa muito antes do que nós, e as lésbicas também, mas sempre usando a gente. Então, nós fomos a vida inteira o degrau dessa turma de hoje. Eu tenho vivências disso.” Esse cenário influencia diretamente no apagamento da memória da comunidade trans. Gretta Star Arquivo Transformista A violência e o exílio forçado de muitas travestis durante e após a ditadura deixaram marcas — inclusive na própria memória da comunidade. Parte dessa história simplesmente deixou de existir. “No meio do caminho tem um buraco. Esse buraco ficou uns 15, 20 anos sem informação porque, com a ditadura e a não aceitação, a maioria [de nós] foi embora do país. E nós perdemos esse vínculo. Perdemos esse união maior de outras trans”, afirma. Gretta vê, no Arquivo Transformista, uma forma de acertar as contas com essa ausência: um jeito de garantir que a trajetória dela e de tantas outras não volte a ser apagada. Ao revisitar sua trajetória, ela volta ao período em que existir como mulher trans no Brasil significava desafiar o Estado, enfrentar prisões arbitrárias e conviver diariamente sob perseguição policial. “Fui presa várias vezes na rua. A gente assinava 'vadiagem', porque era proibido você estar de mulher na rua. Então, como eles [policiais] não tinham um nome para dar para isso, colocavam como 'vadiagem' — que eram pessoas que não trabalhavam, sem carteira assinada. Quando tinha carteira assinada, não ficava até a noite seguinte, mas ficava presa até a hora que eles quisessem. Eu vi tudo isso", relembra. Os palcos também não escapavam do controle do regime militar. Gretta lembra que, antes de cada fim de semana, artistas precisavam se apresentar a um censor, que analisava música, figurino e até movimentos de dança. Ao participar do Arquivo Transformista e ter suas memórias eternizadas, Gretta espera deixar como legado para as próximas gerações resistência e disciplina como motores de transformação. Kelly Cunha na boate Medieval, na Noite da Broadway, em 1976. Arquivo Transformista Expansão do projeto O objetivo do Acervo Bajubá agora é ampliar o Arquivo Transformista e formar as próprias artistas para atuarem no cuidado de suas memórias. “Como pessoa coordenadora do projeto, quero muito que a gente consiga mais fomentos para conseguir outras artistas (...) e realmente fazer uma formação técnica em arquivo para que elas consigam digitalizar as fotos, aprender o ofício arquivístico, aprender de conservação, de restauro", explica Natan. A expectativa é que o arquivo, criado em São Paulo, chegue ao Rio de Janeiro e a outras regiões do país, onde há outras importantes artistas da primeira geração, como Suzy Park e Yeda Brown.

FONTE: https://g1.globo.com/guia/guia-sp/noticia/2025/11/09/arquivo-transformista-acervo-preserva-memoria-e-reune-registros-ineditos-de-artistas-trans-e-travestis-de-sp.ghtml


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